
O que é a depressão para a psicanálise?
Na atualidade, a depressão é considerada uma doença orgânica com base fundamentalmente em déficits neurobiológicos. Na nova moda, nem sequer se faz avaliação, baseada como tal em diversos sinais; basta um só: a queda de serotonina é suficiente para administrar o fármaco. Já não são tanto os psiquiatras, mas, sim, outros médicos que se inclinam pelo antidepressivo assim que detectam alterações no neurotransmissor e sem que sua diminuição esteja acompanhada por sinais de depressão nos sujeitos tratados. Isso sem falar nos casos em que só o estado de tristeza basta para impor tal prescrição. Sem negar a existência da depressão, a psicanálise adverte sobre o perigo de medicar qualquer sinal de tristeza, por considerar o mínimo índice dela como doença. Só a psicanálise leva em conta os fatores subjetivos ligados a esse quadro.
A tristeza e o luto
A tristeza nem sempre foi considerada uma manifestação patológica pelo criador da psicanálise. Em seu célebre artigo “Luto e melancolia” (vol. XIV), Freud diferencia um do outro; o estado de ânimo profundamente doloroso, a perda de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar e a inibição de todas as atividades são elementos comuns a ambos. Esses estados foram desencadeados por uma perda, que pode ser de uma pessoa, de um lugar ou de um ideal. Um único ingrediente recai com exclusividade na melancolia: a extraordinária diminuição do amor-próprio e a autocensura, que chega até o delírio moral de empequenecimento. No entanto, a dor, o sofrimento e o eventual retraimento que implica o luto são considerados por Freud fenômenos normais, que testemunham, em última instância, que os objetos não podem ser tão facilmente substituídos por outros, que os seres não são descartáveis, que o processo de desapego leva tempo, que há apego, viscosidade libidinal. A psicanálise dá ao luto um valor inestimável, e Freud, Melanie Klein e Lacan situam o processo de luto na análise, de modo que podemos afirmar que não existe análise sem luto.
Em uma época definida por Heidegger como ávida de novidades e anseio pelo novo, época do material descartável, o luto e a tristeza devem ser suprimidos, visto que falam de uma adesão ao passado; nesse sentido, o antidepressivo é sintomático desses tempos.
A depressão para a psicanálise
Você sabia que… só a psicanálise contempla que a depressão tem um sentido e uma causa inconscientes, que não é simplesmente um desarranjo bioquímico?
Na revista Le Nouvel Âne, da qual é diretor, J.-A. Miller diz que hoje em dia é muito grande a tentação de considerar “depressão” a menor fadiga, tristeza ou pequena queda de ânimo existencial, bem como ocasionais sentimentos de perda de estima. Acaso tais vaivéns anímicos não são próprios do homem? Acaso não há uma pretensão de exterminar o gênero humano ao querer eliminar esses estados? A tristeza é inerente à espécie humana. Se é uma doença, a própria humanidade o é; curá-la é entrar na biotecnologia e produzir outra espécie, uma espécie assexuada e muda que se comporta como se deve.
Por outro lado, Miller explica muito bem que na medida em que as pessoas experimentam normalmente momentos de tristeza e sentimentos de desvalorização, a decisão de medicá-las dá lugar, inevitavelmente, a um crescimento exponencial do número de depressivos. Por isso, não é estranho que a Organização Mundial da Saúde (OMS) prognostique que em 2020 a depressão será a segunda causa de invalidez no mundo, depois das doenças cardiovasculares.
Essa instituição declara que, na atualidade, 121 milhões de pessoas sofrem dessa condição e que a carga que essas doenças representam está aumentando. Além do mais, adverte que uma em cada cinco pessoas chegará a desenvolver um quadro depressivo na vida, e esse número aumentará se concorrerem outros fatores, como doenças médicas ou situações de estresse. Assim, a campanha contra a depressão corre o risco de acentuar esse fenômeno.
Em tempos em que os sujeitos valem por sua situação no mercado de trabalho e, assim, transformam-se em meros valores de câmbio, a perda dessa situação propicia graves depressões. Em sociedades nas quais os únicos valores são a juventude e o sucesso profissional, o declínio de ambos faz com que os sujeitos não encontrem com que os substituir. Ainda, se levarmos em conta que, como diz Lacan, o capitalismo rejeita o amor e a castração, sua falta leva as mulheres a se verem mais afetadas.
A tristeza posterior a uma perda não é um fenômeno patológico, porque o processo de luto leva tempo; e esse processo é rejeitado quando a urgência e a aceleração marcam o ritmo da existência.
A depressão não aparece a qualquer momento; inscreve-se em um muito particular, no qual sempre há um vínculo com um traumatismo mais antigo, uma perda, uma ruptura ou um luto na infância ou na adolescência que não foi simbolizado. Quando se perde um ideal ou um objeto de amor, em um primeiro momento se tenta manter um apego àquilo que falta, como se nada mais existisse. No luto normal, ocorre um desprendimento paulatino que dá lugar a uma substituição posterior; na melancolia, não ocorre tal substituição e perdura a fixação ao que foi perdido.
O transtorno depressivo
A classificação psiquiátrica atual considera o “transtorno depressivo” com base em um catálogo de condutas cuja graduação deve ser avaliada para estabelecer se se trata de um estado depressivo menor, médio ou maior; desse modo, erradica-se toda noção de estrutura. Tal classificação tira toda especificidade da psiquiatria. Observa-se essa ausência de referência clínica na maneira como se prescrevem os antidepressivos para as condutas mais diversas: fadiga, tristeza, insônia, timidez, TOC, fobia social, abandono do cigarro, conflito conjugal, assédio moral, estresse profissional etc. As estatísticas e as pseudociências desvalorizam o significado real do termo e muitas vezes não consideram os efeitos secundários do fármaco quando mal indicado.
Quer saber mais sobre a psicanálise? Se inscreva em nosso curso online de Introdução à psicanálise.