Psicanálise é ciência ou não?

Psicanálise é ciência ou não?

A psicanálise costuma ser desvalorizada com o argumento de que não é científica; ao que parece, o padrão lógico positivista não encontra em nossa disciplina um solo firme. O saber transmissível da ciência, válido para todos, não é aquele ao que um paciente chega mediante a análise; porém, a lógica com que o paciente chega a ele se baseia nela. A associação livre segue um determinismo, e a interpretação não está aberta a todos os sentidos. Por isso, para que a psicanálise não esteja condenada a se extinguir, para que seu sucesso não seja aleatório e passageiro, Lacan situa seu porvir e sua credibilidade nessa “marca” de cientificidade que Freud lhe outorga desde seu nascimento.

Psicanálise é ciência?

Freud jamais se desprende dos ideais de cientificidade de sua época, que moldam sua formação, e, antes de ser analista, ele é neurologista. A psicanálise nasce em terra científica; seu criador estuda com Hermann von Helmholtz e Emil du Bois Reymond, verdadeiros positivistas, e compartilha crenças com os cientistas de seu tempo. No entanto, apesar de todas essas credenciais da psicanálise, a comunidade não está de acordo. Os cientistas e epistêmicos dizem que talvez faça muito tempo que Sigmund Freud tenha sido um deles, mas que não durou muito porque ele se tornou vidente, e que, hoje em dia, a psicanálise se aferra a um território entre as ciências que não lhe cabe.

Quando Lacan inventa o dispositivo do passe, aspira a que esse saber singular que o paciente obtém em uma análise e as mudanças que produz possam ser transmitidos à comunidade. Nada mais alheio aos terrenos inefáveis ou às experiências indescritíveis e inenarráveis, nem mais próximo da aspiração científica. Talvez a psicanálise navegue entre a ciência e a arte, visto que, em semelhança com a tarefa do artista, com as marcas de sua história o analisado constrói algo diferente de sua neurose.

Freud acreditava na ciência

Freud acredita convictamente na ciência; basta recordar que, quando Breuer lhe confia informação sobre a famosa cura de Anna O., ele se interessa vivamente, embora antes deva verificar em Paris se Charcot outorga categoria científica e médica ao estudo da histeria. O olhar sobre esse quadro não é o de um xamã, mas, sim, o de um homem da ciência, que primeiro se certifica de que os sintomas não se explicam neurologicamente, mas que obedecem a leis ligadas à linguagem.

Você sabia que… a psicanálise não teria sido possível sem o advento da ciência, no século XVII?

A psicanálise e a ciência

A psicanálise seria impossível sem a existência da ciência, sem aquilo que a ciência, a mente científica, destruiu em nosso mundo. Talvez a melhor maneira de entender isso seja por meio de Descartes, que afirma que a posição científica é obtida ao evacuar toda crença prévia e dar lugar só à demonstração e à verificação. Esse movimento cartesiano é o que destrói os mitos em nosso mundo, visto que entra em um duradouro conflito com a religião.

Nesse mundo científico, nasce a psicanálise. A associação livre lhe deve muito: pedir a um sujeito que fale o que lhe vier à cabeça, e supor que o que ele diz é regido por uma lei, não seria possível sem o espírito científico. A psicanálise é uma maneira de tomar a linguagem materialmente, ou seja, como fato. Supõese, além do mais, que a análise, tal como a ciência em outros aspectos, produza modificações no sujeito.

O sujeito da ciência

Apesar da crença de muitos psicólogos, nem tudo que ocorre no corpo é objeto de interpretação analítica, e sim só aquilo a que a ciência não responde e que clama por ser escutado. Por isso, Lacan afirma que o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência; ou seja, que esse sujeito que a ciência rejeita por não ter lugar nela, nômade e errante, mas produzido por ela mesma, será alojado pela psicanálise. Verifica-se, então, que tal expulsão implica uma origem.

Lacan considera que o passo cartesiano é um marco fundamental para o advento da ciência moderna; em seu cogitar, o filósofo busca certezas e, ao não as encontrar em seus pensamentos, consegue encontrá-las em sua enunciação: penso e não posso duvidar desse ato no qual duvido; a subjetividade se ergue na hesitação em si. A ciência esquecerá a dúvida cogitativa de seu precursor, mas o ato tem suas consequências, visto que a dúvida destitui o saber anterior. Recordemos que Freud espera que a psicanálise chegue a fazer parte das ciências da natureza. Lacan muda as referências científicas da psicanálise, da biologia às ciências da linguagem, à linguística e à lógica, à matemática e à teoria dos nós. A Descartes não interessa saber, mas, sim, andar seguro na vida, e os saberes vigentes não lhe garantem isso; assim, só encontra a certeza em sua dúvida. O passo seguinte consiste em confiar em um Deus não enganador reduzido ao matemático e dar lugar a um universo sujeito a leis; assim, surge a geometrização do espaço.

O sujeito da psicanálise e o sujeito da ciência

A razão dessa redução do sujeito da psicanálise ao sujeito da ciência não é um fato meramente contingente, dado pelo contexto de seu nascimento, nem também oportunista, dado pelo prestígio e o poder da ciência, mas, sim, um fato fundamentalmente ético. A exigência de “cientificidade” de

Freud é o que lhe permite conservar a orientação de sua descoberta e ignorar os desvios.

Freud espera que a psicanálise chegue a fazer parte das ciências da natureza. Lacan muda as referências científicas da psicanálise, da biologia às ciências da linguagem, à linguística e à lógica, à matemática e à teoria dos nós.

Quer saber mais sobre a psicanálise? Se inscreva em nosso curso online de Introdução à psicanálise.

Artigos Relacionados