A ética na psicanálise

A ética na psicanálise

A ética na psicanálise

Tanto Freud quanto Lacan são muito exigentes em relação aos princípios éticos da psicanálise. Freud afirma que a cura se baseia no amor à verdade, ao passo que Lacan a assenta no “bem-dizer”, um dizer que não corra por uma via diferente da real de cada um. Atualmente, seria, por acaso, a psicanálise o único discurso em que a palavra não está divorciada da economia libidinal dos sujeitos? É tal o valor que Lacan concede à ética que lhe dedica um seminário, orientado pela premissa de se a psicanálise é constitutiva de uma ética criada sob medida para nosso tempo.

A ética e o poder

A desvinculação entre ética e poder parece ser o signo de nosso tempo. Tanto a ética quanto o poder circulam por caminhos separados e independentes, como se não existisse uma relação entre eles. A desconfiança no poder se assenta nesse divórcio, e a ética parece vazia e impotente quando tenta regulá-lo. É que o poder perdeu legitimidade, e a ética se limita a apregoar valores imutáveis, como uma espécie de tribunal da razão atemporal e independente da experiência: um anacronismo. Hoje, invoca-se a ética apelando a uma função reguladora das forças científicas, midiáticas, políticas. Isso faz referência à separação radical entre a ética e os domínios mencionados. Se o poder deve ser ponderado, é por seu desarraigamento da ética. De fato: a ética já não está em seu exercício. Daí o sinal de seu ocaso.

A separação entre a ética e o poder conduz à ineficácia da ética e à ilegitimação crescente do poder. Ou seja, é inevitável que uma ética pura, que não aceita se misturar com a condução, pereça na medida em que se divorcia do ato, e um poder sem ética é um poder sem autoridade. A amálgama entre o poder e a ética como práxis legitima o princípio de autoridade; do contrário, só há um poder sem autoridade. Não devemos esquecer que o vocábulo “autoridade” [autoritas] provém do verbo augure, que significa “aumentar”. Nessa primeira acepção, considera-se que quem tem autoridade faz cumprir, confirma ou sanciona uma linha de ação ou de pensamento que engrandece.

Você sabia que… não há clínica psicanalítica sem uma ética que a sustente?

Mas, se nos aproximarmos mais da constituição da subjetividade, a função principal da autoridade consiste em determinar uma orientação ao querer do sujeito. Lacan diz: “O dito primeiro decreta, legisla, aforiza, é oráculo, confere ao Outro real sua obscura autoridade”. Claro que Lacan fala do “dito primeiro”, quando o sujeito não sabe o que quer. No momento em que as figuras que encarnam a autoridade entram em crise, o sujeito se vê bombardeado constantemente por ofertas para se pronunciar sobre o que quer. Não há autoridade que oriente; o peso da escolha está em nós. Tudo parece possível, mas, se não há escolha forçada que limite o campo da livre escolha, a própria liberdade de escolha desaparece. Slavoj Žižek afirma que, paradoxalmente, quando já não há ninguém que determine o que queremos, ocorre o contrário do que se esperaria; quando toda a carga da escolha repousa em nós, a dominação do Outro é mais completa e a capacidade de escolha se transforma em um simulacro puro.

Outro que não existe

Já faz mais de dez anos que Miller e Laurent (2005) chamam esta época de a era do “Outro que não existe”, marcada pela crise do real. Em sua primeira formulação, definiram essa inexistência como a de uma sociedade pautada pela irrealidade de ser só um semblante. Assistimos a um processo de desmaterialização crescente do real, no qual os discursos, longe de estarem articulados com o corpo em si, separam-se dele para proliferar desabitados. Ao advertir que as palavras não têm conteúdo, referimo-nos a esse processo.

Freud estabelece uma relação entre a psicanálise e a política ao propô-las como tarefas impossíveis. Governar, educar e psicanalisar são labores que não podem se sujeitar integralmente às normas e às leis estabelecidas e que compartilham o fio que margeia essa impossibilidade estrutural no mundo das ideias. Ao afirmar tal comunidade, Freud se refere à política aristotélica, que assevera que os assuntos de que tratam a política e a ética não garantem de antemão resultado algum. O efeito político, como a interpretação, é medido segundo as consequências.

A orientação da psicanálise fundamenta-se no desejo do analista de que o sujeito possa se identificar com aquilo que lhe é tão próprio e que rejeita e que seu semblante possa ser posto em consonância com esse real.

A ética da psicanálise

Lacan expressa um voto para a psicanálise: quer que esse discurso não seja tão somente um semblante vazio. Sua ética não é a que vocifera onde está o bem geral, visto que enfoca o real de cada um.

A ética se extingue quando, longe de ser a prática de um poder, circunscreve-se a limitar seu exercício e assim o delata. Quando se denuncia um discurso, afirma Lacan, muitas vezes não se faz mais que aperfeiçoar sua existência. A ética não é um discurso instrutivo; é, por excelência, práxis, o que remete à raiz do vocábulo. A ética é fundamentalmente prática, ancora-se na vida; quando é muito evocada, é porque perdeu seu lugar vital. Lacan chama de “ética da psicanálise” a práxis de sua teoria e, assim, devolve ao termo seu sentido mais original.

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